O autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a maneira como uma pessoa se comunica e interage com o mundo ao seu redor.
Embora seja frequentemente discutido em termos de seus desafios significativos, existe um outro lado pouco abordado, que diz respeito as experiências positivas e momentos de alegrias e realização dos pais.
O presente artigo busca ir além da narrativa comum, que se concentra principalmente, nos problemas e dificuldades, para explorar a rica tapeçaria de experiências que compõem a jornada dos pais de crianças com autismo.
Para a escrita deste artigo, foi utilizado como referência o trabalho de Moshe e colegas, intitulado: “Positive and challenging themes in parents’ perceptions of their relationships with their child with autism: Comparison between mothers and fathers.”
O Impacto Emocional do Autismo nos Pais
Ter um filho autista é o início de uma longa jornada repleta de emoções intensas. Não é raro que os pais experimentem altos níveis de estresse, apresentem sintomas de depressão, podendo inclusive, desenvolver outras condições psiquiátricas.
As mães, em particular, tendem a carregar um fardo emocional ainda maior. Elas enfrentam níveis mais altos de estresse, depressão e sobrecarga, não apenas por serem mais sensíveis, mas também por dedicarem a maior parte do tempo aos cuidados constantes que seus filhos necessitam.
Felizmente, existe um outro lado dessa relação, que é positiva e alegre, e que será apresentado aqui.
Pais e mães de autistas – características distintas nessa relação
Pais e mães revelam que a jornada de criar um filho autista é uma mistura complexa de desafios e alegrias. As mães frequentemente expressam o amor profundo, a ternura e o cuidado que nutrem por seus filhos.
Os pais, por sua vez, destacam a alegria e o prazer que sentem ao realizarem atividades conjuntas com seus filhos, além do papel fundamental que desempenham ao guiar e apoiar o desenvolvimento deles.
Tanto pais quanto mães enfatizam a importância de manter uma relação de proximidade e segurança com seus filhos. As mães, que geralmente passam mais tempo cuidando dos filhos, tendem a expressar mais as dificuldades enfrentadas.
Os pais, por outro lado, percebem que não passam tempo suficiente com seus filhos, talvez devido à necessidade de trabalhar mais para sustentar a família, especialmente quando têm um filho com autismo, que pode precisar de cuidados e tratamentos especiais.
Aspectos Positivos na Relação entre Pais e Filhos com Autismo
Fato importante e pouco abordado são os aspectos positivos na relação entre pais e filhos autistas, que merecem ser destacados e compartilhados. Sim, existe nessa relação momentos de alegrias, aprendizado e crescimento mútuo que iluminam toda jornada.
Neste subtópico, vamos explorar alguns achados do estudo de Moshe e colegas, onde os quais destacam os sentimentos e experiências mais marcantes compartilhadas pelos pais de crianças autistas:
Amor e Afeição: Os relatos de pais de filhos autistas destacam sentimentos profundos de carinho e apego. O amor, expresso no cuidado com o bem-estar do filho e no desejo de proporcionar o melhor para ele, é uma constante nessas relações.
A afeição, demonstrada por meio de abraços, beijos, elogios e outras formas de expressão, é outro elemento fundamental. Apesar dos desafios inerentes ao cuidado de um filho autista, o amor e a afeição são aspectos positivos e importantes dessa experiência.
Ternura e Sensibilidade: Ficou bem evidenciado nos pais de crianças autistas um aprimoramento dessas duas qualidades. Isso indica que a experiência de criar uma criança com autismo, pode intensificar a habilidade dos pais de demonstrar maior ternura e sensibilidade diante das necessidades de seus filhos.
Segurança e Proximidade: Os pais demonstram capacidade e confiança para cuidar de seus filhos autistas, para atender às suas necessidades e para lidar com os desafios que o autismo pode trazer.
É marcante a conexão emocional forte e íntima dos pais com seus filhos. Eles entendem suas emoções e necessidades, estabelecendo uma relação de profundo amor e carinho
Prazer em Atividades Conjuntas: Um fato inquestionável é o prazer que os pais sentem ao realizarem atividades conjuntas com seus filhos. Isso mostra que, apesar dos desafios, existem momentos de alegria e diversão na jornada de criar uma criança com autismo.
Alto Envolvimento e Cuidado: Os pais dedicam uma grande quantidade de tempo, energia e atenção aos cuidados de seus filhos autistas. Eles ajudam nas tarefas diárias, apoiam o desenvolvimento de habilidades, participam de terapias e intervenções. Estão sempre presentes e atentos às necessidades emocionais e físicas dos filhos.
Principais temas abordados por pais de filhos autistas e relatos
Estes relatos estão presentes no artigo de Moshe e colaboradores.
Amor
“Ele é tudo para mim” “Ele sabe que é meu filho, que farei qualquer coisa por ele, que o amo” “Sei que ele me ama e, claro, o amo. Ele nem sempre mostra, mas. . . nós sentimos isso. . . não precisamos dizer nada”
Ternura e Sensibilidade
“Às vezes sinto que o entendo sem palavras” “Para mim, pode ser beijos e abraços o dia inteiro” “Acho que temos uma conexão muito calorosa, um relacionamento caloroso”
Segurança e Proximidade
“Sinto que ele precisa de mim, que se sente seguro quando estou perto dele” “Sinto que estamos muito ligados. Quando ele volta da pré-escola e eu não estou, ele chora, me procura “ “Temos um vínculo muito forte” “Acho que dou uma sensação de segurança para ele” “Ele pergunta 'cadê a mamãe?' e eu falo 'mamãe vai voltar' mas ele fica pedindo, ele chora. É como se ela fosse seu abrigo, sua segurança”
Orientação
“O pai dele é mais autoritário. Ele escuta mais o pai” “A mãe dele é mais dura que eu, ela disciplina mais” “Eu ensino, dou o máximo de conhecimento possível. É importante porque sei que essas idades são críticas para o desenvolvimento do cérebro” “Eu o trato como uma criança normal e típica. Ele sabe pela minha voz quando estou com raiva. Eu digo a ele 'vá para o seu quarto'. Não dou bola para ele” “Quando estou na cozinha coloco um banquinho e ele fica do meu lado. Ele me ajuda com a batedeira, o forno, virando uma omelete, e fico ao lado dele o tempo todo. Eu deixo ele ser independente”
Preocupação
"Estou muito preocupado. Não importa o que aconteça, há uma cruz para carregar” “Quero dar a ele ferramentas para ter sucesso. Mas em algum lugar também está o meu medo” “Quero ver que ele encontra o seu caminho, vê-lo feliz, ver que quando eu saio da sala ele não desmorona e pode brincar” “Na maioria das vezes ele não entender. É perturbador” “Toda essa questão deixou a mãe dele deprimida”
Dificuldades
“O psiquiatra também nos disse que à medida que ele crescer vai ser mais difícil, não vai ser mais fácil” “Ele está ciente do que está acontecendo ao seu redor, mas não há comunicação” “Na creche dele nos disseram que ele está com um baixo rendimento, um dos mais baixos em seu grupo. Isso nos chateou. . . às vezes você desiste, quer dizer, não desiste, mas você descansa um pouco, até que alguém vem e te sacode e você se levanta de novo e começa a correr” “Estamos muito conectados agora . No primeiro ano foi muito difícil para mim me conectar com ele, para ser honesto. Não é que eu não o amasse, mas. . . às vezes demora” “Apesar de termos muitas dificuldades no começo, uma ligação muito forte se formou entre nós”
Prazer em Atividades Conjuntas
“Sou o pai mais brincalhão e travesso, aquele que se diverte com ele” “Fazemos muitas coisas juntos, seja ir ao shopping, fazer coisas bobas, comprar coisas para ele” “ Somos melhores amigos. A gente brinca muito junto, finge briga, faz tudo junto. Indo a restaurantes, eu levo ele comigo.”
Alto envolvimento e cuidado
“Eu cuido dele. . . Estou sempre ao seu lado, sempre” “Ele não está sozinho e não importa o que ele ou os outros pensem, nós o apoiaremos e estaremos com ele” “ Sou a mãe dele – amando, educando, sendo, fazendo, tudo” “Eu me vejo como um pai-terapeuta. . . para tratá-lo, mediá-lo, promovê-lo”
Tempo Limitado com a Criança
“A mãe dele parou de trabalhar. . . ela liberou todo o tempo dela para ele, então ela está presente na vida dele 80% do tempo, e eu, no máximo 40%” “Eu não fico muito com eles, mas quando eu chego ele pula em cima de mim na hora . . . A gente se reúne em média três vezes por semana” “A mãe dele passa mais horas com ele. Eu saio cedo. . . quando volto tenho minha hora ou hora e meia com ele” “Meu tempo com ele é muito limitado” “Acho que sou secundário nessa história com ele. Eu trabalho em muitos empregos, tenho que sustentar a família. Terapias e ABA sozinhos são muito caros. . . então estou menos presente” “O relacionamento dele com a mãe é mais forte do que o meu relacionamento com ele. . . Eu simplesmente não estava lá. . . teve vezes que fiquei meses sem estar”
Considerações finais
Ser pai ou mãe de uma criança autista pode trazer desafios, sem dúvida. No entanto, é importante lembrar que essa jornada também é repleta de momentos positivos e recompensadores. Cada sorriso, cada progresso, cada conquista, por menor que seja, é uma vitória que traz alegria e satisfação.
Cada um desses momentos é uma prova do amor incondicional e da dedicação que vocês, pais e mães, oferecem aos seus filhos todos os dias.
Lembrem-se, vocês são a rocha na vida de seus filhos, o porto seguro deles. Vocês desempenham um papel valioso e insubstituível em suas vidas. E mesmo que às vezes seja difícil, mesmo que às vezes vocês se sintam cansados ou sobrecarregados, saibam que há muitas alegrias e recompensas em ser pai ou mãe de uma criança autista.